Monday, September 24, 2007

Passarim que voar!





Cá estou eu de volta, depois de tanto tempo: com o regresso ao Brasil e ainda muita coisa para resolver, tendo encerrado dois meses de intenso trabalho e tudo acontecendo ao mesmo tempo!




Arrumei malas, procurei quem comprasse os móveis da casa, tentei falar com o senhorio para entregar o apartamento mas ele nunca atendia o telefone… Consultas, cursos, textos para escrever, amigos querendo se despedir, muitos lugares ainda por visitar, convites de viagens irrecusáveis (todas pagas!), mas e o tempo? 24 horas é muito pouco!





Sentimentos de alegria, saudade, expectativa e ansiedade. Tudo ao mesmo tempo!


Nessa onda frenética e stressante, lembrei de sentar e escreve sobre a carta dos pássaros. Pois é, complexa de se compreender, se vista com superficialidade e sem se observar as origens do baralho. Muita gente que não conhece a escola européia se pergunta: “Mas o que tem as ver os pássaros com essa confusão toda? Eles não significam isso!”



É, na escola brasileira, os pássaros representam alegrias e amores. Onde as avezinhas são observadas em seu aspecto primaveril e matinal, cantando uma melodia doce e bela que saúda o sol que se ergue na primavera ou nos dias quentes de verão. Acordando-nos de forma suave e carinhosa e fazendo despertar os sentimentos de alegria e festa dentro de nossos corações.



Porém, se voltarmos no tempo e formos para o século XIX, mais precisamente na sua segunda metade onde o Petit Lenormand encontra sua aurora, veremos que história é bem diferente. A lâmina 12 tem a sua iconografia representada de duas formas distintas: com Pássaros ou Corujas. Seus atributos não tinham (e continuam não tendo) nada a ver com a versão brasileira.



Um símbolo ganha significados diferentes dependendo da cultura onde é inserido e nesse caso, a coruja que simbolizava a sabedoria na Grécia, dedicada a deusa Athená, é vista como uma criatura nefasta e maléfica na Europa medieval e vitoriana. Associada à escuridão da noite e às bruxas, faz companhia ao morcego, ao rato e ao lobo - criaturas agourentas e diabólicas.


Quem nunca viu, nos filmes e desenhos animados, os grandes olhos das corujas acesos como lâmpadas na escuridão da noite e seu piado abafado gerando medo do escuro e do desconhecido? Nesse caso, ela torna-se o símbolo do medo e da preocupação, uma carta que confunde e bloqueia. Já os pássaros vêm a ser uma evolução de outra carta presente em baralhos anteriores ao Petit Lenormand dos quais ele nasceu: “As borboletas” que, entre outras coisas, significa a frivolidade e a inconstância.



A carta da coruja parece não ter feito grande sucesso sendo substituída na maior parte dos baralhos pelos pássaros, apesar de ainda ser encontrada em alguns ainda hoje editados.
Apesar das imagens diferentes a carta mantém o mesmo significado: stress, confusão, movimento sem direção, inconstância, desgosto, preocupação e viagem. Os pássaros herdam algumas das características da coruja que se somam as deles.



Para melhor ilustrá-la, vale lembrar daqueles tardes de verão quando todos os pássaros da redondeza começam a se amontoar numa árvore fazendo grande algazarra, lutando pelo melhor espaço no galho e piando incessante e desordenadamente ao mesmo tempo. Também o pardal, que quando pousa para comer, move-se rapidamente aos saltinhos pronto para voar a qualquer momento, sempre com aquele jeitão tenso e estressado. Já no céu, voa com grande velocidade deslocando-se de um lado para o outro sempre a piar.




A questão da “viagem” tem a ver com as técnicas rudimentares e pouco elaboradas dos manuais que acompanhavam os baralhos, cujas cartas significadoras do consulente eram tomadas como referencial, fazendo com que os atributos das outras se alterassem dependo de sua distância delas. Nesse caso, os pássaros quando longe do consulente, significavam viagem.


Sintetizando tudo que foi dito até agora, temos uma carta muito dinâmica porém inconstante, que simboliza os momentos em que há várias coisas simultaneamente em nossa cabeça e tentamos fazê-las todas ao mesmo tempo, resultando em fadiga física e mental. Também pode simbolizar sentimentos de ansiedade e grande vontade, porém passageira. Fogo de palha. A mudança constante de direção que por vezes nos faz andar em círculos. O desafio da lâmina é que tentemos canalizar toda essa energia numa única direção, de forma a criar mais ordem e constância para que possamos ir mais longe, conquistando mais versatilidade e rapidez de pensamento. Um grande desafio devido ao sentido de barulho e confusão por ela representados.



Posso dizer que é realmente difícil arrumar a bagunça dessa passarada! Mas a gente não pode é parar. Rodamos, rodamos, rodamos e uma hora achamos o caminho!



Depois dessa confusão toda, a merecida viagem acontece! E assim pude ouvir os pássaros da escola brasileira quando desembarquei no Galeão, vendo o Cristo de braços abertos a me receber de volta depois de tanto tempo!





Beijos a todos!
Sem stress, tá?