Thursday, November 06, 2008

Do Clavário a Redenção. Lenormando na Cruz.

Cada um carrega a sua cruz, já dizia a bisavó da minha avó. O seu peso só sabe quem a tem nas costas, e essa metáfora simboliza os desafios que a vida nos apresenta e que, apesar de todo esforço que exigem, nos fortalecem e amadurecem.

A cruz é o principal símbolo do cristianismo e representa o sacrifício de Cristo para a salvação da Humanidade. Encerra em si uma carga de grande sofrimento e dor e, ao mesmo tempo, alívio, superação e libertação.
“Na subcultura Gótica, este símbolo geralmente é a representação da tortura ou angústia interna, já que a palavra Cruz vem do latim "Crucio", que significa tormento ou suplício.
Provavelmente esta definição tenha o sentido original, já que em Roma antes mesmo da morte de Cristo, era usado para esta finalidade. Uma das formas de condenação à morte consistia em atar ou pregar condenados em uma cruz, fazendo os mesmos padecer terrivelmente.” (fonte: wikipedia)

Talvez essa concepção tenha inspirado alguns autores europeus fragmentando a escola europeia no que diz respeito ao significado da carta 36, onde, de um lado temos uma cruz de mau agouro, de sofrimento e padecimento e do outro uma cruz de vitória e libertação.

Através de um processo natural o símbolo também evolui e assim foi com a cruz através do cristianismo que vem simbolizar o sacrifício de Jesus pela Humanidade e a superação da morte. A Niké de Cristo. Com isso a cruz ganhou, na história do filho de Deus um atributo mais auspicioso, onde o sacrifício eleva e leva a redenção e sua imagem evoca todo o poder do criador que afasta o mal.

Tal passagem bíblica teve um impacto tão grande no coletivo por ter sido perpetuada pela religião dominante que não é nada mais que a cruz da humanidade nos últimos séculos trazendo para o mundo um misto de sofrimento e libertação que se misturam de forma desproporcional dependdo do momento, da região e das pessoas que a praticam e pregam. E dessa forma a gente segue perpetuando a meme cristã que vovó nos ensinou.

Mais uma vez lenormando, dessa vez na cruz, eu me remoto a mais de oito anos atrás quando, no dia 15 de Maio de 1999 eu me dirigia ao Aerporto Internacional António Carlos Jobim para embarcar na mais ousada e inconsequente aventura da minha vida, a partida para tentar a vida na Europa, mais especificamente em Portugal, junto com um dos meus melhores amigos. Só os Deuses sabiam o que adviria dessa louca empreitada rumo ao desconhecido e que impactaria minha vida profunda e drasticamente me fazendo, de uma forma bem plutoniana, renascer das cinzas anos mais tarde.
Viver no estrangeiro é algo muito longe do ideal utópico que muitos alimentam (e que eu um dia alimentei também); de um lugar onde ganharemos muito mais e que teremos lá as oportunidades que não temos em nossa terra.

A imigração é um dos maiores exemplos da carta 36 pois implica em escolhas difíceis e na vivência de situações extremas que nos colocam em muitos dos nossos limites. Ela pode dar certo ou não, dependendo da estrutura interna de cada um.

Foram 8 anos e meio de vida em Portugal que constituíram um processo de transformação intenso na minha vida.
O crucio dessa aventura começa na falta de dinheiro que geralmente acontece antes de nos fixarmos num trabalho tornando tudo mais difícil. O clima frio e hostil castiga o corpo, esgota-nos física e psicologicamente. A diferença cultural e o preconceito, que é uma realidade viva e algo extremamente perturbador, põem-nos a prova a cada dia.


A cruz do Calvário.
Lembro-me várias vezes de ser taxado de vagabundo, safado, malandro, terceiro mundista e mal-educado somente pelo meu sotaque e pela minha origem. E nesse momento de grande rejeição, você percebe que é uma gota de azeite num copo-d’água, mesmo essas agressões partindo de poucos. Quem você é fica em cheque e se não houver uma boa estrutura interna, somos massacrados e nesse momento temos a oportunidade de saber quem realmente somos e se reconhecemos e valorizamos isso.

As oportunidades de trabalho são escassas, a remuneração baixa para os ilegais faz com que tenhamos de trabalhar arduamente, dia e noite para pagar o preço de nosso sonho. O pote de ouro até existe mas está enterrado muito fundo e acessível a pouquíssimos.

Como carvão sob as altas pressões das profundezas das entranhas da terra somos transformados até nascer um diamante. E quando isso acontece, ufa! Que alívio, que maravilha. O Poço foi fundo e a queda pareceu interminável. Todas essas adversidades que vivi, desde a falta de dinheiro, a deportação, a fuga da polícia, o preconceito, o ter de viver de favor na casa algumas pessoas (umas bem intencionadas mas com envolvimento em atividades ilícitas, o que me expunha a perigos devido a minha situação legal), foram como o calor e a pressão do útero de Gaia, como as marteladas e talhadas do joalheiro que moldaram todo o meu ser, que mudaram a minha visão de mundo num processo doloroso.
Houve um momento em que quiz ir embora. Já não aguentava mais. Estava fraco pois não conseguia comer direito, com queda de cabelo e irritações na pele. Somatizações de meus conflitos. Mas já era tarde. Meus pais passavam, também, grandes dificuldades aqui, e eu não me sentia no direito de pedir que pagassem a minha passagem de volta uma vez que quem decidiu ir para lá fui eu.
Acho que nesse momento os primeiros traços do diamante já se tornavam visíveis.
Gritei aos céus irado e disse que tudo aquilo bastava! Que não iria mais suportar nada do que estava vivendo, que a partir daquele dia as dificuldades tinham de cessar pois eu não era merecedor de tamanho fardo.

E algo surgiu dentro de mim, uma força enorme, que não sei onde estava, se é que estava lá. Então, com o punho fechado, soquei a mármore da varanda e disse: “Eu vim para cá para vencer e só saio daqui vencedor!”

Acho que nesse momento os deuses ouviram o meu apelo.

Verdade foi que a partir daí, outros problemas vieram, mas eu estava mais forte, senti-os menos. Iniciei minha carreira de tarólogo, fui convidado por uma feira esotérica, ironia do destino, chamada Anjos e Companhia (risos, mantras, preces e agradecimentos).

RENDENÇÃO!

Logo no começo de toda essa novela, lembro de ter ido numa feira esotérica a um tarólogo espanhol, chamado Raul, que me disse: “Vai tudo piorar. Não espere vitória no que busca, mas aos poucos, com a ajuda de amigos, contruirás não uma igreja, mas uma catedral.”

Enfim, os deuses nunca haviam me abandonado. Eu apenas viva o meu destino. Destino esse que escolhi quando dei ouvidos a uma vozinha que não saía da minha cabeça e me enchia o saco com a ideia de viajar para o estrangeiro. Um sagitariano com lua em aquário e sol e conjução como regente da casa nove não tem como resistir a tamanha tentação.

Se não tivesse passado por tudo isso, com certeza não estaria aqui hoje escrevendo para vocês, nem com todo o conhecimento e as ideias inovadoras sobre o Petit Lenormand que desenvolvi através das minhas pesquisas lá fora.

Lembram que mencionei o termo “Niké” quando falei da ressurreição de Cristo? Pois é. Essa palavra encontra-se escrita em algumas representações da curz e ela significa Vitória. Niké era uma deusa que vivia ao lado de Athena e que concedia a vitória a quem estivesse com ela. Os deuses cobiçavam-na muito. A palavra vitória vem do seu nome romano: Victoria e ela é representada até hoje na nossa arte.

Mas a vitória da cruz não foi só na consolidação da minha carreira. Dinheiro algum paga os amigos que fiz e que mantenho até hoje, as viagens por alguns países que me proporcionaram experiências fantásticas e inusitadas, o meu afilhado e a possibilidade de uma nova e melhor vida aqui, na minha terra onde se encontra o meu coração.
Minha professora de Ética, na Nova Acrópole do Porto, a francesa Françoise Terseur, fez menção acerca da palavra Crise que tem a mesma raiz etimológica que a palavra crisálida, o casulo da borboleta.
A lagarta, ser destruidor e glutão, em dado momento se imobiliza e se envolve num casulo. Dentro dele passa por um doloroso processo de metamorfose que implica na morte do que foi para o nascimento de um novo ser. Abre mão da fartura das folhas e se entrega ao torpor e a vulnerabilidade. Ao fim desse processo complexo e demorado irrompe seu invólucro e sai numa nova forma. Leve, sutil e bela que vai buscar as flores, ajudando a sua polinização e a sua perpetuação, compensando a destruição causada pelo seu estágio anterior.


Hoje estou aqui. Vivo, diferente, novo. Fortalecido por todo esforço que as situações desfavoráveis e favoráveis me proporcionaram.
Vitória depois do Sofrimento. Libertação após a dor.
Niké, a deusa da vitória, pousa ao meu lado, me refresca com o bater de suas asas e me coroa com seus louros. Graças aos Deueses e a mim também.
Pérolas resultam do sofrimento da ostra


Beijo a todos!